Heloísa Helena Aragão e Ramirez
heloramirez@gmail.comAbstract
THE KID AND THE MUSLIMS – Psychoanalytical considerations
upon the distinction between schizophrenia and paranoia.
This work is aimed both at analyzing the contingencies
of the psychoanalytical clinic of psychoses and
at verifying the extent and reach of given Lacanian concepts, initially
formulated in the scope of paranoia, when the case is schizophrenia. It is
based on questions that emerged from the clinic of Saul,
first diagnosed as a schizophrenic, which was later questioned by
psychoanalysis on the ground of what the subject said to the analyst. When it comes to paranoia, the phenomena peculiar to psychosis are especially
isolable around delirium and the symptoms of corporal autonomy are secondary,
whereas the contrary seems to occur with schizophrenia.
Key words: psychoanalysis, psychosis, paranoia, schizophrenia,
diagnostic.
Resumo
O GURI E OS MUÇULMANOS: Considerações Psicanalíticas sobre a distinção entre a esquizofrenia e a Paranóia.
O objetivo deste trabalho é analisar as contingências da clínica psicanalítica da
psicose, e verificar o alcance e extensão de certos conceitos lacanianos,
inicialmente formulados no quadro da paranóia, num caso de esquizofrenia, a partir de questões surgidas na clínica de Saul, cujo
diagnóstico inicial era esquizofrenia e que foi interrogado pela psicanálise, a
partir do dito do sujeito ao
analista. Os fenômenos próprios da psicose, no caso da paranóia, são
especialmente isoláveis em torno do delírio, e os sintomas de autonomia
corporal são secundários, sendo que na esquizofrenia, parece suceder o inverso.
Palavras-chave: psicanálise,
psicose, paranóia, esquizofrenia e diagnóstico.
O GURI E OS MUÇULMANOS: Considerações Psicanalíticas sobre a distinção entre a esquizofrenia e a Paranóia.
Apresentação do caso.
Tudo
começou na prática clínica onde surgiu a necessidade de ampliar os pontos de
referência sobre a estrutura psicótica. Fui capturada pelo jeito de ser de um
paciente do hospital-dia, a quem chamarei de
Saul, que convivia quase que harmonicamente com a sua condição de doente crônico, colocando-se aderido à
Instituição a ponto de se qualificar pelo número de internações. Em seu prontuário encontrava-se um histórico
de mais de 40 internações em hospitais psiquiátricos e lia-se o diagnóstico de esquizofrenia.
Eu o
conheci no CAPS-Perdizes[ii].
Era ele quem sempre me encontrava pelo pátio e me convidava a conversar.
Chamou-me atenção a primeira vez em que nos falamos: “Oi doutora, eu sou Saul, com 40 internações[iii] em
hospitais psiquiátricos” Contou-me que morava com sua irmã e que era um doente
crônico, por isso a alta freqüência das internações. A primeira impressão
sobre Saul foi de que era uma pessoa instigante. Estatura baixa, porém forte,
até um pouco obeso, sua presença se fazia sempre notada. O humor era mais para
a sisudez do que para a alegria e quando se mostrava acabrunhado, denotava ser
pessoa de poucos amigos. Possuía um ar matreiro e um sorriso que nem sempre se
traduzia, mostrando um jeito enigmático de ser.
No
início, ainda no processo das entrevistas, pedi-lhe que me contasse sobre sua
vida e ele a começou assim: “eu já nasci morto, foi Jesus quem me salvou!” Com
este dístico principiou a narrativa para, em seguida, enveredar-se pela
história de seu nascimento: naquele ano, sua família morava numa região de
pouco acesso e de difícil comunicação, quando sua mãe iniciou o trabalho de
parto, o seu pai estava de plantão no quartel e não conseguiu chegar a tempo de
presenciar o nascimento. Algumas vizinhas foram chamadas para ajudar, como não
eram parteiras, o parto que já era difícil, tornou-se ainda mais complicado, e quando
finalmente a criança nasceu, percebeu-se que ela não respirava e que seu corpo estava completamente arroxeado. Diante
deste fato, Saul foi dado como morto pelas ajudantes e estendido numa mesa. Velas
foram acesas dando-se início ao ritual de luto que só foi interrompido pela,
bem aventurada, entrada em cena do pai que tomou o filho colocou-o de cabeça para baixo, o sacudiu e bateu-lhe às
costas algumas vezes até que ele recuperasse a respiração e com vida fosse
levado para um hospital.
Esta
história surpreendeu num primeiro momento,
por seu conteúdo e depois pelo nada, pela ausência de emoção com que ele
a apresentou, como se dela fosse mero narrador[iv].
Enfatizou ter sido salvo em nome de Jesus como conseqüência da fé que seu pai
depositava na religião. Naquele tempo, “ele ainda era católico fervoroso”
por isso o batizou com o nome bíblico de
Saul[v], de
origem judaica, que quer dizer Filho
da Promessa. O significado do seu nome lhe era conhecido e
valorizado pela religiosidade implicada na origem bíblica, no mais, não via
sentido em carregá-lo, tanto que fez algumas tentativas, vãs, de trocá-lo por
Ernesto, nome que lhe soava como sendo bem brasileiro.
Sobre
sua mãe ele pouco sabia, apenas que “ela era muito doente e nervosa e
que sempre teve saúde precária”. Segundo sua irmã, aos 40 anos de
idade, época em que nasceu Saul, ela se mostrava uma pessoa frágil, com cinco
filhos para cuidar sendo ele o sexto dessa prole. O parto difícil a deixou mais
debilitada ainda e a manteve na cama até o dia de seu falecimento, dois anos
depois.
Foi
assim que, em seguida a sua morte, o pai precisou de alguém para tomar conta
das crianças e casou-se novamente com uma jovem de 19 anos de idade, 25 anos mais nova do que ele. A madrasta[vi], como era chamada respeitosamente por
todos, investida de um poder ilimitado e imposta aos filhos pelo pai que lhes
solicitou obediência irrestrita, passou a governar a casa.
Mas
foi Rebeca, a irmã dez anos mais velha, quem dispensou para Saul os primeiros
cuidados. “Ela me cuidou como se fosse seu filho”. Na medida do possível,
zelou pela sua saúde e pelo seu bem estar, atenções que só foram interrompidas
pela morte que a acometeu, subitamente, aos dezenove anos de idade. A causa
deste falecimento tornou-se um segredo familiar nunca violado, no entanto, Saul
acreditava que Rebeca se suicidara devido a uma traição do marido.
Eis
que aos nove anos de idade, a morte já o havia surpreendido por duas vezes,
primeiro foi sua mãe, depois Rebeca, figura central em sua vida porque exerceu,
com muita propriedade, a função de mãe para com Saul. Como se vê, a sua vida
pregressa foi recortada por inúmeros acidentes que o remeteram, em muitos
momentos, a uma condição de desamparo.
No
entanto, durante o período em que esteve no HD, Saul considerara que os seus
problemas eram fumo e a comida. Sempre pelos excessos, fumava demais e comia
sem limites, contrariando as ordens médicas e aborrecendo sua irmã Sarah, tida
como o seu terceiro problema. O relacionamento entre ambos era difícil e
complicado e abria uma brecha para que ele insistisse na idéia fixa de voltar
para sua cidade natal, acreditando que lá teria chances de “mudar de vida, ter uma
mulher, arranjar um emprego, ter um futuro, ser alguém”.
A
Psicose
Para se compreender o mecanismo da psicose é preciso
referir-se ao jogo do desejo, inerente ao psiquismo humano, como preso em um
mundo simbólico, tomado nas tramas da linguagem. Este jogo funda-se na
aceitação do simbolismo pela criança, através do mecanismo da metáfora paterna
- onde se realiza a substituição dos significantes ligados ao desejo de ser o falo[vii] materno,
pelos significantes da lei e da ordem simbólica (o Outro[viii]).
Nesta medida, Lacan concebe o
Nome-do-Pai como produto da metáfora paterna, cuja função, de puro significante[ix],
designa aquilo que rege toda a dinâmica subjetiva, ao inscrever o desejo no
registro da dívida simbólica[x].
Portanto a
formalização deste processo (metáfora paterna) consiste em um jogo de
substituição significante[xi], incidindo, principalmente, na regulação do sujeito[xii]
com seu desejo e na relação com o jogo dos significantes, que o anima e
constituem sua lei. No
âmbito da teoria lacaniana do significante, no caso da psicose esta
estruturação não acontece e se fracassar este movimento do
recalcamento originário, eclodirá o que Lacan denominou de foraclusão[xiii],
uma espécie de rejeição do simbólico, que irá então surgir no real, no
momento em que o sujeito for confrontado com o desejo do Outro, em uma relação
simbólica. O Outro, assim como o outro, o semelhante, será rejeitado no jogo
especular.
Saul não conseguiu realizar este movimento: o da metáfora
paterna. Assim, na sua vida tudo girou, inversamente, em torno do pai, pois
que, era de se esperar que uma figura tão poderosa com poder de vida (e de
morte), pudesse ter sido instituída metaforicamente como Lei, como o
organizador do desejo, e, no entanto, o que aconteceu foi à destituição do
significante fálico no lugar da assunção do Nome-do-Pai. Um pai colocado no
lugar de Deus, forte e onipotente, e não um pai morto como deveria ter sido
para ser erigido no simbólico, mas imortal, divino, que devolveu a vida para
Saul, quando todas as mulheres o julgaram morto. Foi assim que, no lugar do pai
simbólico sobressaiu-se o pai real - que com
o segundo casamento foi impelido a renunciar o cristianismo – destituído de
suas insígnias fálicas, ao delegar todo poder à mulher, e, ao
entregar Saul aos desígnios da madrasta.
Ao pai
onipotente se contrapôs o pai inoperante - que “não sabia muito bem o
significado das coisas” e o internava - mudando o estatuto de pai salvador para pai perseguidor. “Foi Jesus quem me salvou” é, sem dúvida, o apelo a uma
organização que responde à questão da filiação. Lacan já dizia que não é
preciso que haja necessariamente um homem para que haja um pai. Todavia é
preciso que o desejo da mãe e do filho seja mediatizado por uma consistência
significante do Nome-do-Pai para que o sujeito advenha.
E Saul se rendeu à impotência que o
arremessava na busca insana de
sentido (seguindo os rumos da sentença proferida por seu pai: “Se ficasse internado num hospital
psiquiátrico, por uns quatro anos direto, melhoraria, porque lá o tratamento é
mais rígido”) que só conseguiu encontrar na rigidez e
nas normas do hospital psiquiátrico. Foram, minimamente, quarenta internações correndo
atrás do que pudesse especificá-lo como sujeito[xiv],
porém, permaneceu preso ao eco desta determinação. Saul já nasceu morto, e para
(sobre)viver foi preciso ser levado às pressas ao hospital, única via
possível para manter-se como vivo. O Hospital -
com suas normas e leis rígidas - entrou pela fenda aberta para dar basta àquilo que sozinho o
sujeito não conseguia conter, o gozo[xv],
que não circunscrito pelo desejo irrompia de forma avassaladora, mantendo o
sujeito inerte. O Hospital surgiu como um organizador da cadeia, na medida em
que podia engendrar o sentido da vida ao doente crônico.
A hipótese de esquizofrenia.
No
cotidiano do HD, o sintoma mais recorrente de Saul se apresentava no corpo: revirava os
olhos, enrijecia os músculos do pescoço e se dizia impregnado. Neste estado (de fixação), solicitava atenção do médico
ou do enfermeiro, ou de quem quer que fosse para que lhe ministrasse uma
medicação que o permitisse retomar o seu lugar. A manifestação sempre ocorria
de forma intermitente, pelo menos uma vez ao dia e todos os dias da semana. É
como se Saul precisasse certificar-se de que seu corpo estava ali, vivo. Uma peculiaridade perpassava este
fenômeno cuja construção se revelava paradigmático da
esquizofrenia. Tudo acontecia em função da quantidade de fumaça de
cigarros ingerida que, agregada à medicação, funcionava com a propriedade de deixá-lo com o pescoço duro, rígido, de fazê-lo revirar os olhos e ainda de lhe deixar com as mãos trêmulas.
Era um ritual lógico e seqüencial: primeiro tomava os remédios, depois fumava e
finalmente ficava impregnado. Para ele, a fumaça, oriunda das
substâncias tóxicas do cigarro, quando ingerida, era o estímulo provocador do
endurecimento dos nervos e a causa da impregnação, que só era aliviada
com a ingestão da medicação (Akineton, 2mg).
Uma
conexão que funcionava quase como uma cadeia onde um elemento se remetia ao
outro, numa série que se repetia sempre da mesma forma, tendo seu ponto de
origem na cronicidade da doença e seu final no alívio da tensão
(gozante): doença → remédio (Haldol 5mg)
→ cigarro → impregnação → remédio (Akineton 2mg) → alívio, sendo o remédio o único elemento
que se duplicava nesta série, porém de forma paradoxal, em função de seus
efeitos opostos: o primeiro combatia à doença e era tido como impregnizante, o
segundo, diluía os efeitos da impregnação. Vale ressaltar que o cigarro, elemento intoxicante que fazia com que o fenômeno acontecesse, se
introduzia nesta cadeia pela vontade própria do sujeito, sendo uma ação de Saul
voltada para ele próprio. Retirado do discurso do médico: “cigarro causa intoxicação” Saul
atualizava o que estava lá na origem.
A hipótese que aqui se levanta é de que a falência
do corpo, como sintoma psicótico, se apoiou nas marcas do nascimento, no
momento mesmo em que Saul
foi tomado, desfalecido (anóxia), pelo pai que lhe bateu às costas e o trouxe à
vida. Acontece que, pelo fracasso da inscrição do significante Nome-do-Pai, o
sujeito não conseguiu metaforizar e permaneceu colado ao objeto primordial[xvi],
processo próprio da esquizofrenia, onde o corpo sustenta a ausência de um
significante que possa significar. A não
nomeação do eu, no caso do esquizofrênico, está diretamente ligada ao desejo da
mãe, pois é lá que a criança não é nomeada[xvii].
A
hipótese de paranóia.
O
diagnóstico de esquizofrenia foi colocado em dúvida a partir da aparição de um delírio exemplar da paranóia. Saul
contraiu um ar sério e disse[xviii]:
“Doutora, estou desconfiado até da
própria sombra, não confio mais na minha irmã, mais em ninguém. Todo mundo
está me perseguindo. Eles querem vingança. Eles se reúnem para praticarem sexo.
Eles querem se vingar porque são ateu e eu sou cristão... eles vêm a comando
dos muçulmanos. Existe uma divisão de seitas religiosas. Os estudantes são
muçulmanos. Eles vieram para o Brasil para me testarem, para fazer uma vingança
contra mim. Os árabes vieram para o Brasil. Eles iam me indenizar.” À
medida que falava Saul tornava-se cada vez mais cabisbaixo, as costas se
arcavam e o tom de sua voz ia baixando gradativamente até assumir uma postura
pesada e largada, completamente amolecida, sem tônus. Ele havia contado,
para Sarah, sobre a perseguição que vinha sofrendo, mas ela não lhe deu bola
sendo que a única coisa que fez foi recomendar-lhe que procurasse uma
delegacia. “Vingança e perseguição. Quem vê isso pensa que eu sou louco. Vou
ter que ir à Delegacia dar queixa na polícia, abrir um alvará”. Há mais de um ano que tudo havia
recomeçado e “não falei nada, porque uns passam de carro, me ameaçam
seqüestrar e matar. É uma idéia de ameaça. Acontece de noite. Na minha cidade
eles passavam de carro até atirando em mim. Eu pulava, me escondia atrás do muro e as
balas não pegavam. O que é eu faço, doutora?” Estava desorientado e, a esta
altura, sua voz era quase inaudível. “Tem que falar com a polícia para
pararem de me ameaçar. Se eles souberem que falei para a Sra. a Sra. Vai correr
risco de vida. Eles não têm medo de nada, são terroristas”. A respeito do que
era ser cristão, Saul explicou que na seita do muçulmano é Alá quem é o Deus. “Conheci
um muçulmano. Eram árabes. No início faziam amizade comigo, depois fizeram
vingança. O meu caso está sendo investigado pela polícia do exército porque eu
dei queixa no quartel[xix]”.
Pensar em paranóia exige
mais do que um delírio. De acordo com Melman, 1991,
imprescindível e absolutamente legitimável, para refletir um delírio paranóico
são os aspectos da realidade que ameaçam o fantasma da pertinência fálica do
sujeito. Pois bem, a circunstância que desencadeou a produção delirante foi o
fato de Saul ter sido chamado a responder como homem a partir de uma
provocação de um dos pacientes do hospital-dia. Naquele dia, chegara ao CAPS
visivelmente transtornado e brigou com um colega que o chamara de guri,
moleque na sua tradução, sendo ele “um
homem com mais de 40 anos” (e
com mais de 40 internações). Saul ameaçou-o com uma faca dizendo-lhe que já “matara quatro e que já estivera
numa penitenciária por isso não teria nada a perder se matasse mais um”.
A psicóloga de plantão foi chamada a intervir, mas ele lhe pediu que ela
ficasse de fora: “isso é coisa de
homem e você é mulher”. Mostrou-se tão agressivo que foi necessária a
intervenção de um médico (homem) para
contê-lo. Mais tarde, um pouco mais calmo, procurou a enfermaria dizendo-se impregnado e informando ao responsável que já havia sido medicado por
Bernardo -
outro paciente - com Akineton, 2 mg
mais Jurubeba Leão do Norte.
“Isso é coisa de homem e você é
mulher” só faz ratificar a atrocidade da
convocação, e, ao deixar-se levar, docilmente, por um homem, médico, único que conseguiu acalmá-lo em sua
loucura, corroborou para que se pensasse a favor das circunstâncias-causa do início do delírio como sendo uma defesa contra
o questionamento do sujeito sobre a sua verdade fálica: ser ou não ser homem. Para completar a oferta de Bernardo, seu
melhor amigo, Jurubeba Leão do Norte,
com a recomendação de que era bom para o pênis. O que estava em jogo ali era o ser
homem, compensado, durante boa parte de sua vida pelo ser cristão. Guri ou moleque lugar da possibilidade e de conserva por
não ter acedido à castração. No momento em que o sujeito não conseguiu
responder pela diferença o seu sintoma emergiu. O significante guri remeteu Saul para a beira do buraco, para o vazio da subjetivação.
É
no vivido delirante que vamos encontrar as bases significantes do delírio, no
entanto, é na história do sujeito que nos
deparamos com o que lhe dá sustentação enquanto estrutura. O episódio do
delírio de Saul, construído em sessão, tem sua abertura com um dito que revela
o sentimento que vai reger o tema da produção delirante: “doutora eu estou desconfiado até da própria
sombra não confio mais na minha irmã, mais em ninguém”. Trata-se do
significante desconfiado que, de
início, já expõe um estado de espírito
natural em Saul, tanto no sentido daquele que não confia, como no sentido do
temeroso, do invocado, e do prevenido. No fragmento: “todo mundo está me
perseguindo” já se pode vislumbrar que é em torno do outro,
característica importante da produção delirante - já que se trata sempre de um
Outro gozador - que se organiza o delírio de Saul. Neste caso, ele tem atrás de
si toda uma humanidade perseguidora, além dos muçulmanos.
Isto
se passa no espaço que Lacan denominou de entre-eu (duplo do sujeito).
Já que o Outro está excluído da psicose, ele será potencialmente reafirmado
neste espaço, do imaginário, entre o eu e o outro minúsculo: “Eles querem
vingança... Eu não estava interessado neles... Eles querem se vingar porque são ateu e eu sou cristão... eles vêm a comando dos muçulmanos”. De um lado temos uma profusão de eles
que
correspondem ao outro minúsculo, contrapondo-se aos pronomes, uma série de eus, criando um impasse
desencadeado pela questão da dúvida. Também é possível perceber nas entrelinhas
a contradição: “eu não estava interessado neles (homens) porque eu
namorava umas gurias”. Na paranóia, a falta de um significante se manifesta por uma grande
perturbação do discurso interior. Um grande número de circunstâncias reais se
insurge e questiona o sujeito sobre a pertinência fálica, resposta que só pode
ser afirmada pelo falante pela negação do outro semelhante, mas ao negar a
identidade fálica do outro, por repercussão, coloca-se em dúvida a certeza da
própria identidade. Como conseqüência, o que se tem é uma série de efeitos como
o culto do grupo (de preferência homossexuado), do círculo, da nação, da etnia,
tentativa de uma possível identificação coletiva. A escolha dos grupos dá-se,
em sua grande maioria, entre aqueles que agregam o ódio entre os seus
participantes, constituindo-se sempre um em oposição ao outro ou entre os que
são reconhecidos pelo traço da inimizade. Estas circunstâncias da realidade, de
onde o fantasma retira sua base para abalar o sujeito, são freqüentes e, por
isso, nessa relação com o grande Outro, diz-se de uma constante
interpretativa[xx].
O
discurso de Saul é marcado pela oposição entre a religião cristã e o islamismo,
privilegiando como tema central de seu delírio a perseguição sofrida por árabes
muçulmanos. Em verdade, o nome de Saul foi inspirado em um personagem bíblico,
cujo pai remonta a um tempo anterior ao de Cristo e a Moisés e, por isso mesmo,
foi considerado mulçumano pelo Alcorão e pelo povo árabe. Saul[xxi] (personagem bíblico)
teve seu nascimento atribuído a um milagre da divindade. Também ele foi salvo
em nome de Deus, quando oferecido, por seu pai, em holocausto. Semelhança
significativa com o paciente que foi salvo em nome de Jesus, cujo nome imprime
um peso que Saul não suporta a ponto de aventurar-se a escapar daquilo que o
mito engendra mudando para uma alcunha bem brasileira. Além disto, muçulmano traz em sua base a
significação daquele que se
submete à Vontade de Deus, ou, de uma forma mais abrangente, qualquer um
que voluntariamente se submeta à vontade Dele. É sob a vontade do pai (imaginário) que Saul
ficou à mercê. Desta forma, a questão da filiação retorna no
delírio, localizada na referência ao pai imaginário: “eles querem se vingar
porque são ateu e eu sou cristão” ... O fato de ser cristão o coloca
numa condição de filho de Jesus, posição assumida por seu pai quando de seu
nascimento. “Foi Jesus quem me salvou!” Se tomarmos o delírio
como a defesa do sujeito diante do insuportável do Outro gozante, esta talvez
fosse a tentativa feita por Saul para matar o pai, inserindo-o no combate entre
cristãos e ateus, ainda mais depois que ele se tornou herege ao adotar a
umbanda, em solidariedade a sua segunda esposa, como religião.
Em: “Há
mais de 15 anos que eles vêm atrás de mim, como vingança.
Eles me perseguem porque são muçulmanos e eu sou cristão. O meu irmão e meu pai
são meus adversários, são contra os estudantes”. Percebe-se mais claramente o pai
perseguidor, o pai real, e Saul sendo odiado por ele. Pode-se pensar ainda que
todo o contingente militar estaria representando a figura paterna, visto ser o
pai de Saul um militar de carreira. Em a “polícia e os homens estupram
garotos menores”, evidencia-se a
questão homoerótica, apontada pela presença do estupro de garotos, um sinal
característico da questão do empuxo à mulher. A sua relação com os homens
de fardas, polícia e exército, sempre se mostrou ambígua: Saul permanecia ora
dentro, ora fora da lei, indicando a impossibilidade de identificar-se. Mesmo
sonhando com a carreira militar, que não conseguiu aderir tal qual seu pai e
seus irmãos - posição esta que
imaginariamente lhe daria a condição de ser homem, devido à rigidez das normas e da disciplina – permaneceu
preso do lado de fora (do discurso).
Entre a paranóia e a
esquizofrenia.
A
tentativa de estabelecer algumas diferenças entre a esquizofrenia e a paranóia
- cujo valor de transmissão, eu
vislumbro, está posto no testemunho sobre o limiar tênue a que está sujeito o
gozo quando não encontra um escudo firme que o faça barrar - refletiu para que
reconhecesse no diagnóstico diferencial intrapsicose um caso de esquizofrenia.
De
um lado estava Saul vivo, esperançoso de ser alguém, de poder trabalhar,
de ter uma mulher, de ser homem, cuja probabilidade de realização se encontrava
lá na sua cidade de origem, sua pátria, seu referente. De outro o “eu já
nasci morto”; o “um pai que não sabia muito bem o significado das
coisas”; o fracasso da metáfora paterna e a não inscrição do Nome-do-Pai; o
pai imaginário do bom conselho, o cuidador, o pai função-maternal; a suplência;
a impregnação; o pai real do guri e dos muçulmanos; as sessões de análise.
De
um lado, o fenômeno do despedaçamento do corpo; a sensação de transformação
corporal; as dores múltiplas; o revirar de olhos; o pescoço duro e rígido; a
impregnação. Para além, o desamparo, a depressão, a abulia; características que
aparecem na clínica com o esquizofrênico. Do outro, o delírio inexorável; a mania de perseguição e de grandeza; o caráter erótico do discurso; o Outro como
alteridade gozante, tão próprio da paranóia.
De um lado Soler, com todo um
cabedal de conhecimento da teoria lacaniana, dizendo que a metáfora paterna
para o esquizofrênico deve ser inscrita a partir do primeiro vazio, do
desejo da mãe, diferente da paranóia onde a simbolização primordial ocorreu. É desde Freud que se aprende
que antes de se amar, é-se amado. A criança para amar a si mesma precisa
primeiro ser amada pelo Outro, e, só depois, numa operação de assunção da qual
ela participa e se identifica é que pode se amar e na mesma relação dialética, amar
ao Outro, fazendo valer o seu desejo.
Foi exatamente neste ponto que Saul se perdeu, na questão do desejo,
antes mesmo de se defrontar com a imagem no espelho que lhe daria ingresso ao
mundo imaginário, e saída para a ilusão. Não
passou na primeira fase, pela primeira simbolização da presença e ausência - operação dialética que permitiria ao sujeito
retornar ao narcisismo, se algo não houvesse falhado. A operação que ficou para
trás foi a de esvaziamento do objeto mãe - que existe no real - para torná-la
simbólica, quando a ausência for simbolizada. Saul não conseguiu fazer este
cavo, abrir este lugar, porque estava morto no desejo da mãe e com isso barrou
a entrada do terceiro. O que faltou para Saul foi justamente a presença do
vazio, a falta da falta, lugar possível para a inscrição do pai. Por isso
sobreviveu o nada.
Por outro lado, Quinet (1997), utilizando uma fórmula de Miller,
mostra a possibilidade da não barreira do gozo do Outro, o que tornaria
possível às formas
mistas da psicose - já que o gozo poderia deslizar do corpo para um
Outro personificado, implicando na produção de uma metáfora substitutiva da
metáfora paterna - suplência que
corresponderia a uma “transladação
do gozo do corpo para um gozo localizado no Outro subjetivado, em alteridade,
em relação ao próprio sujeito” (Quinet, 1997).
Todavia,
pensar num tipo misto, neste caso, esbarraria na questão de que na
esquizofrenia não acontece a primeira simbolização. Ora, se Saul não realizou
esta operação o que existe é a falta da falta. Então, como fazer suplência a
esta falta se para ela não há lugar? É
uma questão de estrutura. A possibilidade de paranoicização a que se referiu
Quinet corresponderia, em parte, ao observado na clínica. O analista como um
Outro de uma das formas de paranóia. Era possível. Apesar de, neste caso, não
ter ocorrido um processo erotômano avassalador, a transferência aconteceu, vide
a inclusão da analista no delírio e a tentativa de Saul de protegê-la da
perseguição[xxii]
implacável.
Mas ainda
assim, a argumentação para o tipo misto se mostraria insuficiente. Optar por
esta saída, talvez fosse ignorar a questão estrutural, na base, fundamental
para a subjetivação. O que fazer com o lugar de desejo da mãe? Se a inscrição
do Nome-do-Pai não aconteceu justamente porque para ele não havia lugar, como
cavar este vazio, ou melhor, como fazer esta operação de esvaziamento a que
Lacan se referiu, do lugar da mãe de objeto real para o de mãe simbolizada?
Ainda mais, se algo se congelou, como introduzir um significante-primeiro para fazer funcionar a cadeia, mesmo que
rompida, para dali se construir uma metáfora?
Para Saul
havia apenas: desconfiado, duro, rígido, palavras com o mesmo valor significante, mas distante de uma
significação enigmática. Nem desconfiado, nem duro, nem rígido podiam
representar o sujeito porque faltava ali o Outro significante - e não há o
quê faça a função de representação onde a simbolização do eu não aconteceu, a
menos que se consiga pela via do enxerto imaginário. Não havendo como
representar o sujeito ao significante, resta a pulverização, esta fragmentação
que aparece no corpo, no pescoço rígido, no nervo duro, no revirar de olhos
desconfiados. Diferente do que acontece na
paranóia em que o sujeito pode se deixar enunciar por uma identidade construída
em delírio.
Mas o que
permitiu a Saul construir um delírio com as características da paranóia?
São
efeitos conferidos à análise - embora Soler diga que o esquizofrênico não entre
em análise por suas características de sujeito não barrado - em decorrência da
transferência que permitiu a condução da clínica para uma paranoização cuja
conseqüência foi a construção do delírio. No entanto, um delírio de
metaforização precária cujo desempenho permanece enfraquecido, sem força para sustentar um significante que
represente o sujeito, em função de seu efeito (ortopédico) efêmero. Neste caso,
haveria que ter uma manutenção permanente do Outro subjetivador, para que a
metáfora pudesse ter valor de substituição e se mantivesse como função.
Por isso a
opção pelo diagnóstico de esquizofrenia que foi favorecido ainda mais pela
argumentação da manifestação do delírio como um sintoma secundário em relação à
profusão de sintomas (primários) surgidos no corpo, tão paradigmático da
esquizofrenia. Saul encena, permanentemente, a impregnação da morte com
sintomas de pescoço duro, rígido e de revirar de olhos. Morte vivida no real do
desejo das mulheres, morte por ter matado duas mulheres, morte pela
identificação com o feminino. Paradoxalmente, duro e rígido é também a senha para
se tornar vivo e sadio.
Cabe ao analista fazer deslizar o
sintoma do corpo à palavra, fazer falar, dar espaço para que o paciente enuncie
o que o corpo denuncia e permitir que aquilo que surgiu no real do corpo
retorne para a palavra, numa tentativa de que no
caminho o sujeito encontre algo que o faça vacilar.
Notas
[i] Este artigo foi construído a
partir de recortes oriundos da dissertação de mestrado, que leva o mesmo
título, apresentada na Faculdade de
Psicologia da Universidade São Marcos,
no Núcleo de Família e Psicanálise, em agosto de 2002.
[ii] Centro de Atenção Psicossocial, com estrutura
de hospital dia.
[iii] Na pesquisa realizada no
Hospital Psiquiátrico, em agosto de 1998, constava que o paciente passara por
30 internações, sendo a primeira datada de setembro de 1976 e a última em 1985.
É possível que houvesse internações anteriores a esta data, uma vez que em análise Saul informou
que sua primeira crise, com internação, deu-se por volta de 1966. Não foi factível
ao Hospital fornecer outras informações uma vez que documentos anteriores à
data mencionada encontravam-se em arquivo morto. Fora essas existe mais algumas
internações realizadas em
São Paulo.
[iv] Cabe
aqui um comentário sobre o modo como o sujeito da psicose engendra a sua fala,
como se dirigisse a si próprio, diferente da neurose onde o sujeito a endereça
a um Outro.
[v] A preocupação em manter a
fonte original de escolha, a Bíblia, para os nomes substitutos, foi no sentido
de conservar uma certa autenticidade, no que poderia servir ao conjunto da
análise, evidentemente, o sentido acima descrito como o nome é fictício não
corresponde a sua verdade histórica, mas é de fato em relação à história
clínica.
[vi] De
acordo com Sarah, o apelido madrasta faz jus a todo o sarcasmo que o
nome carrega, visto ter sido ela malvada e ruim para com as crianças.
[vii] “Lacan coloca o falo no
centro da teoria psicanalítica, ao torná-lo o objeto do recalcamento originário
freudiano”. (Chemama, 1995 p.69) Faz dele, a partir de julho de 1956, o
próprio significante do desejo, aplicando-lhe uma maiúscula e o evocando, antes
de mais nada, como ‘falo imaginário’, depois como ‘falo da mãe’, antes de
passar finalmente a idéia de ‘falo simbólico’. Foi assim que ele revisou a
teoria freudiana dos estádios da sexualidade feminina e da diferença sexual,
mostrando que o Complexo de Édipo
ou da castração consiste numa dialética ‘hamletiana’ do ser: ser ou não ser o
falo, tê-lo ou não ter” (Roudinesco, 1994 p.221 ).
[viii]“Termo utilizado por Lacan
para designar um lugar simbólico – o significante, a lei, a linguagem, o
inconsciente, ou, ainda, Deus – que determina o sujeito, ora de maneira externa
a ele, ora de maneira intra-subjetiva em sua relação com o desejo.Pode ser simplesmente escrito com
maiúscula, opondo-se então a um outro com letra minúscula, definido como outro
imaginário ou lugar da alteridade especular.Mas pode também receber a grafia
grande Outro, ou grande A, opondo-se então quer ao pequeno outro, quer ao
pequeno a, definido como objeto (pequeno) a”(Roudinesco,1998 p.558).
[ix] Termo retomado por Lacan de
Ferdinand de Sausurre, que indica um conceito fundamental no sistema lacaniano
de pensamento, “o significante transformou-se em psicanálise, no elemento
significativo do discurso (consciente ou inconsciente) que determina os atos,
as palavras e o destino do sujeito, à sua revelia e a maneira de uma nomeação
simbólica ” (Roudinesco, 1998, p.708).
[x] Para a teoria lacaniana a escritura do Nome-do-Pai,
está ligada diretamente ao complexo de Édipo - pensado como a passagem da
natureza para a cultura – e é fundamental no exercício de uma nomeação que
permite a criança adquirir sua identidade, já que o pai exerce uma função
simbólica, a partir do momento em que nomeia, dá seu nome, e, através deste
ato, encarna a lei. A esta função Lacan denominou de metáfora paterna, conceito
essencial às psicoses já que está ligada à idéia de foraclusão.
[xi] “e se organiza em dois
tempos: sendo que o primeiro realiza a elisão do desejo da mãe, colocando em
seu lugar a função do pai a que ela conduz, através do apelo ao seu nome, pela
identificação com o pai (segundo a primeira descrição de Freud) e em segundo,
pela retirada do sujeito para fora do campo do desejo da mãe. esse primeiro tempo, decisivo, regula, com
todas as dificuldades decorrentes de cada história, o devir da dialética
edípica. Ele condiciona o que se convencionou chamar de ‘normalidade fálica’, a
estrutura neurótica resultante da inscrição de um sujeito, por meio do
recalcamento originário. No segundo tempo o Nome-do-Pai, enquanto significante,
vai duplicar o lugar do Outro inconsciente. Ele dramatiza, em seu justo lugar,
a relação com o significante fálico originariamente recalcado e institui a
palavra, sob os efeitos do recalcamento e da castração simbólica, condição sem
a qual um sujeito não conseguiria assumir validamente o seu desejo na ordem de
seu sexo” (Chemama, 1995, p.148).
[xii]“O sujeito humano
desejante se constitui em torno de um centro que é o outro na medida em que ele
lhe dá sua unidade, e o primeiro acesso que ele tem do objeto, é o objeto
enquanto objeto de desejo do outro” (Lacan,1955-56, p.50).
[xiii] “Conceito forjado por
Jacques Lacan para designar um mecanismo específico da psicose, através do qual
se produz a rejeição de um significante fundamental para fora do universo
simbólico do sujeito. Quando essa rejeição se produz, o significante é
foracluido. Não é integrado no inconsciente, como no recalque, e retorna sob
forma alucinatória no real do sujeito” (Roudinesco, 1994 p. 245).
[xiv] O sujeito do inconsciente se
situa em posição de mediação em relação à sua própria dissociação de si mesmo.“O
sujeito não é nada de substancial, ele é o momento de eclipse que se manifesta
num equívoco” (Kaufmann, 1996, p.502).
[xv]“Lacan estabelece uma
distinção essencial entre o prazer e o gozo, residindo este na tentativa
permanente de ultrapassar os limites do princípio de prazer. Este movimento,
ligado a busca da coisa perdida que falta no lugar do Outro, é causa de
sofrimento; mas tal sofrimento nunca erradica por completo a busca do gozo...
salienta também que, se o conjunto constituído do filho submetido à castração
(proibição feita sobre a posse das mulheres do chefe da horda) tem sentido, é
porque, logicamente, existe um ‘pelo menos um’
que não sofre essa submissão...que Lacan chama de ‘homenosum’ e que
funda a possibilidade da existência da totalidade dos outros, esse pai
originário, pai simbólico, segundo a conceituação lacaniana, não submetido à
castração, é, pois, o esteio da fantasia de um gozo absoluto, tão inatingível
quanto o é esse pai originário. Portanto, não há gozo para o homem senão um
gozo fálico, isto é, limitado, submetido à ameaça da castração, gozo fálico que
constitui a identidade sexual do homem” (Roudinesco, 1998, p.300).
[xvi] Em relação ao sujeito
esquizofrênico, tratando-se do funcionamento pulsional sobre algo que está
ligado ao percurso da pulsão no auto-erotismo e que deveria retornar ao seu
ponto de partida, a imagem que se tem é como se “a pulsão girasse em torno de
um objeto sem ser modificada, em seu
percurso, pelo encontro com o grande Outro, com o significante”. A esta
propriedade Bruno (1993 p.232) denominou de” fracasso da subjetivação
da mensagem proveniente do Outro.”
[xvii] “O que caracteriza a
esquizofrenia é o fato de que o sujeito é significado pelo ‘isso fala dele’
sem, contudo, jamais ser nomeado, isto é isolado como tal na linguagem... a
identificação não ´um problema de significação, mas sim de nomeação” (Bruno,
1993 p.236).
[xviii] Eis alguns fragmentos do
delírio de Saul.
[xix] Estes são apenas alguns
fragmentos do delírio, cuja consistência e pertinência gira em torno da
perseguição e da grandeza.
[xx]
Da possibilidade de se realizar a
filiação apenas como semblante e não a semelhança do Outro é que o fantasma se
rompe e busca se afirmar na legitimidade inabalável, pela via da emergência
desse real. Se daí resultar um saber realizado, capaz de dizer a própria
verdade, o sujeito exposto a tal saber, se põe à prova o tempo todo, implicando
no “paranóico um profundo sentido de
certeza quanto a esse saber... pois é sempre a imagem de si que serve de
referência e de modelo pára tudo o que é percebido” (Melman, 1991).
[xxi] Lembrem-se de que estamos
trabalhando com nomes fictícios.
[xxii]
“Tem
que falar com a polícia para pararem de me ameaçar. Se eles souberem que falei
para a Sra. a Sra. Vai correr risco de vida. Eles não têm medo de nada, são
terroristas”.
BIBLIOGRAFIA
BRUNO,
Pierre. (1993). Esquizofrenia e Paranóia. In: QUINET, A. (org.) Psicanálise e Psiquiatria controvérsias e convergências. Rio de Janeiro: Rios
Ambiciosos, 2001. P. 225-234.
CABAS,
Antônio Godino. A Função do Falo na
Loucura. Campinas: Papirus, 1988.
CHEMAMA, R.
Dicionário de Psicanálise. Larousse. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
DOR, Joël. Introdução à leitura de Lacan: estrutura
do sujeito. Porto Alegre: Artes Médicas sul, 1995.
________ O pai e sua função em psicanálise. Rio de
Janeiro: JZE, 1991.
FREUD, S. (1911) Notas psicanalíticas sobre
um relato autobiográfico de um caso de paranóia (dementia paranoides) In: ____. Obras
completas. Rio de Janeiro: Imago, 1987. vol. 12.
_________(1912-1913) Totem e Tabu e
outros trabalhos. In: ____. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1987. vol. 13.
_________(1914) Sobre o Narcisismo: uma
introdução. In: ____.Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1987. vol. 14.
_________(1915) O Inconsciente. In: ____.Obras completas. Rio
de Janeiro: Imago, 1987. vol. 14.
_________(1924) A perda da realidade na
neurose e na psicose. In:
____. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1987. vol. 19.
KAUFMANN, P. Dicionário Enciclopédico de
Psicanálise – O Legado de Freud e Lacan. Rio de Janeiro – JZE, 1996.
LACAN, J. (1932) Da psicose paranóica em suas relações com a personalidade, seguido
de primeiros escritos sobre a paranóia. Rio de Janeiro: Forense-Universitária,
1987.
_________.
(1946) Formulações Sobre a Causalidade Psíquica. In: Escritos. Rio de Janeiro: JZE, 1998. Campo Freudiano no Brasil. P.
152-194.
_________.
(1957) A Instância da Letra no inconsciente ou a razão desde Freud. In: Escritos. Rio de Janeiro: JZE, 1998.
Campo Freudiano no Brasil. P. 496-533.
__________.
(1957) De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. In: Escritos. Rio de Janeiro: JZE, 1998.
Campo Freudiano no Brasil. P. 537-590.
__________.
(1958) A direção do tratamento e os princípios de seu poder. In: Escritos. Rio de Janeiro: JZE, 1998.
Campo Freudiano no Brasil. P. 591-652.
__________.
(1955-1956) O Seminário, livro 3: as
psicoses. 2. ed. Rio de Janeiro: JZE, 1988.
__________.
(1960-1961) O Seminário, livro 8: a
transferência. Rio de Janeiro. JZE, 1992.
__________.
(1964) O Seminário, livro 11: os
quatro conceitos fundamentais da psicanálise.
3 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.
__________.(1969-1970)
O Seminário, livro 17: o avesso da
psicanálise. Rio de Janeiro: JZE, 1992.
MELMAN, C. Estrutura Lacaniana das Psicoses. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1991. Série Discurso Psicanalítico.
MILLER, J.-Alain. (1982) Esquizofrenia y Paranoia. In: BROCA,
R et all. Psicosis y psicoanalisis. Buenos Aires: Manantial, 1993. 7-30.
__________ Matemas
I. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996. Campo Freudiano do Brasil.
PEREIRA, M.E.C. Pânico e Desamparo.
São Paulo: Escuta, 1999.
QUINET, A. Teoria e clínica da psicose. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.
ROUDINESCO,
E & PLON, M. Dicionario de Psicanálise. Rio de Janeiro: JZE, 1998.
SOLER, C. A
Esquizofrenia (1999). In QUINET, A. (org) Psicanálise
e Psiquiatria - controvérsias e convergências. Rio de Janeiro: Rios
Ambiciosos, 2001. P. 237-244.
SOUZA, N.S. O
sujeito suposto saber: uma objeção à transferência na psicose? In Agora,
Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica do Instituto de Psicologia
da UFRJ: vol II, n° 1, jan-jun/1999 (109-119), Contracapa.