segunda-feira, 6 de junho de 2011

Sobre a Metáfora Paterna e a Foraclusão do Nome-do-Pai: uma introdução.

Heloísa Helena Aragão e Ramirez.
e-mail: heloramirez@yahoo.com.br

Sobre a Metáfora Paterna e a Foraclusão do Nome-do-Pai: uma introdução.

Resumo
O objetivo deste estudo é fazer uma leitura preliminar dos conceitos lacanianos de Metáfora Paterna e de Foraclusão do Nome-do-Pai. Lacan coloca o Édipo como uma armadura significante mínima que permite a entrada do sujeito no mundo simbólico. Por ser simbólica é possível operar a função paterna como uma metáfora, assim, o Nome-do-Pai entra em substituição ao falo enquanto objeto de desejo da mãe. Produzindo o Nome-do-Pai, a criança estará nomeando, metaforicamente, o objeto fundamental do seu desejo, embora sem o saber, já que o significante originário foi recalcado. Mas, este processo é passível de falha, na estrutura simbólica, e implica na foraclusão do Nome-do-Pai, acidente que ressoa sobre a estrutura imaginária, dissolvendo-a e conduzindo-a a estrutura elementar, provocando a desestruturação imaginária, paradigmática da psicose.

Palavras chave: Metáfora Paterna; Nome-do-Pai; Foraclusão.
Sobre a Metáfora Paterna e a Foraclusão do Nome-do-Pai: uma introdução.

O PAI E O MITO

Para compreender o que está na base da teoria freudo-lacaniana das psicoses, é necessário iniciar o percurso no que está posto em sua origem: o Pai.
Neste contexto, Freud já indicava que o homem em posição de sujeito circula pela verdade, pois que isto é uma questão fundamental de sua existência, embora seja lícito dizer que ele se acomoda muito bem a não verdade.

E para a psicanálise do que se trata? De saber por quais vias a dimensão da verdade entra na vida do homem. Freud em Moisés e o Monoteísmo (1939), responde a isto dizendo que é por intermédio da significação da idéia de pai, realidade sagrada em si mesma, espiritual, cuja função, presença e dominância não pode ser explicada pela simples realidade do vivido, a não ser pela via do a-histórico, mítica, da inscrição do homem na origem da sua história. Nessa medida, a teoria psicanalítica utiliza a perspectiva do mito, para dar conta do substrato psicológico comum a todos os homens e que se manifesta por sua inscrição na ordem edípica, ordenada pela dialética do desejo em face das diferenças de sexos.

Utilizar o mito como metáfora incide na sua estrutura como algo que não modifica o seu sentido, mesmo que seja interpretado permanece no tempo, diferente da escrita que relata coisas de uma época que ao longo do percurso podem ser modificadas.

Lévi-Strauss (1976) quando analisa o mito do Édipo coloca o sujeito frente à dimensão espaço-sócio-cultural, uma vez que para ter uma boa resolução, o mito deve operar e resolver a contradição Natureza x Cultura. Como todas as sociedades humanas normativizadas e regulamentadas são consideradas em estado de cultura, inclusive as sociedades ditas primitivas, foi preciso conseguir identificar através de todas essas culturas, o substrato comum ao conjunto dos homens, do qual se diria então que constitui seu estado de natureza. Este substrato deveria ser ao mesmo tempo aquilo que define uma cultura e aquilo que, sendo universal, participa de uma natureza. O quê se busca foi identificado nas regras que ordenam as trocas matrimoniais onde figura sempre uma lei universal: a da proibição do incesto. Esta lei constitui o critério rigoroso que permite separar a cultura da natureza. A partir da lei da proibição do incesto é que se pode estabelecer o limite entre o natural e o cultural e a ordem edípica pode, legitimamente, apresentar-se como o substrato universal que designa a dimensão do natural no homem, permitindo ao sujeito o acesso ao registro do simbólico, ou seja, o acesso à cultura, gerado pela expressão de uma falta.

Através do mito freudiano do pai da horda primitiva , a psicanálise pode pensar a questão originária do incesto e da instituição de sua interdição e o mito do Édipo, tentativa de explicar como se opera o inconsciente, determinante da posição do sujeito com a alteridade e da sua forma de se relacionar com a cultura.

Lacan, por sua vez, através do aforismo: o inconsciente estruturado como uma linguagem, coloca o Édipo como uma armadura significante mínima que permite a entrada do sujeito no mundo simbólico. Toma como referência o falo , não como uma castração via pênis, mas como referência ao pai, cuja função é mediatizadora da relação da criança com a mãe e da mãe com a criança .

É a estrutura de linguagem, que antecede a uma criança, que a determina e o seu lugar no discurso. Lacan privilegia o signo lingüístico, decomposto em significante e significado para fundamentar a idéia de que a estrutura do sujeito equivale a uma estrutura de linguagem, pois, é a partir desta alteridade que o homem pode se constituir como sujeito. A criança já nasce inscrita na linguagem. A ela é dado um nome, um lugar, trata-se da significação que para o adulto, o filho adquire, muito embora ele já tenha sido significado muito antes de nascer, quando encontrou um lugar na família. “Pela razão primeira de que a linguagem, como sua estrutura preexiste à entrada de cada sujeito num momento de seu desenvolvimento mental (Lacan, 1966)”.

Nesta medida, demonstra como a criança se tornará sujeito a partir da operação da metáfora paterna e de seu mecanismo o recalque originário que se desenvolve com base numa substituição significante, aonde um significante novo tomará o lugar do significante originário do desejo da mãe, que recalcado em benefício do novo vai se tornar inconsciente, o que significa que a criança renunciou ao seu objeto inaugural de desejo.

Por ser simbólica é possível operar a função paterna como uma metáfora. Tomando-se o significado de metáfora como um significante que vem no lugar de um outro significante, o Nome-do-Pai entra em substituição ao falo enquanto objeto de desejo da mãe.

Para entender esta operação, é necessário localizá-la próximo a um momento da vida psíquica da criança, denominada por Lacan de Estádio do Espelho, quando ela realiza uma identificação primordial na sua relação de alienação específica com a mãe. Neste processo de identificação fundamental, a criança apreende sua própria imagem, antes esfacelada, como uma totalidade unificada, o que lhe permitirá promover a estruturação do Eu.


O ESTÁDIO DO ESPELHO

O estado prematuro da criança ao nascer faz com ela estabeleça uma relação de dependência com a pessoa que a cuida, normalmente a mãe, que desempenha a função daquele que supre suas carências tanto no plano biológico como no plano imaginário. Como a prematuridade não é apenas biológica, mas simbólica também, ela necessita do Outro no lugar do código para mediar o seu desejo. Num primeiro momento, este outro é o outro real, da primeira dependência, da relação dual, imaginária, na qual um se confunde ao outro. Ao satisfazer as necessidades físicas da criança, à mãe o faz segundo um código simbólico que determina esta relação, permitindo que o seu desejo se articule em demandas que fará da criança desejada, ou não, possibilitando sua entrada na erogenização. É através desta mediação, na qual a mãe ocupa a função de Outro Absoluto, provendo a criança de alimentos, amor e palavras, que ocorrerá o acesso ao campo do simbólico.

A conquista da gestalt corporal pela criança dá-se pelo reconhecimento de sua imagem no espelho, mediada pela imago da mãe. Esta experiência organiza-se em três tempos, a saber: no primeiro momento o que existe é uma confusão entre ela própria e o outro, em virtude da relação estereotipada que tem com a mãe, pois é no outro que ela se vivência e se orienta. A criança percebe no espelho sua imagem e a toma como a de um ser real de quem tenta se aproximar. É o seu assujeitamento ao registro do imaginário.

No segundo tempo, ela descobre que o outro no espelho não é um outro real, mas uma imagem. Esta descoberta propicia que ela não mais procure se apoderar desta imagem e lhe permite distinguir a imagem do outro da realidade do outro.
O passo seguinte é a dialetização dos dois momentos anteriores. Em primeiro lugar, ela já está segura de que o que aparece no espelho é apenas uma imagem e que aquela é a sua imagem, o que permite a ela se re-conhecer e a recuperar a dispersão do corpo esfacelado, numa totalidade unificada, representação do corpo próprio.

Porém, o estádio do espelho unicamente não é suficiente para que o ser possa tomar posse do seu corpo, que só se constitui como tal a partir do corpo simbólico. O sujeito ainda precisa simbolizar a legalidade que rege a relação existente entre o objeto, a imagem, o espelho e o sujeito (Cabas, 1980).


O COMPLEXO DE ÉDIPO

A inscrição no registro do simbólico se fará a partir da dialética edipiana, processo que se funda nos três tempos do Édipo.

No primeiro momento, a criança ainda mantém com a mãe uma relação de indistinção, reforçada pelos cuidados que recebe e pela satisfação de suas necessidades. Esta relação quase fusional a permite supor ser seu objeto de desejo. É na posição de objeto (falo) que a criança se coloca como suposto completar o que falta à mãe. Ao querer constituir-se como falo materno, a criança coloca-se como único objeto de desejo da mãe, assujeitando seu desejo ao dela. O que a criança busca é fazer-se desejo de desejo, poder satisfazer o desejo da mãe, quer dizer: ‘to be or not to be’ o objeto de desejo da mãe... (Lacan, 1958).

Por outro lado, prover as necessidades do filho não é o único desejo da mãe: detrás dela perfila toda ordem simbólica da qual ela depende e esse objeto predominantemente da ordem simbólica é o falo. (Lacan, 1958,).

Neste primeiro momento a problemática fálica situa-se sob a forma da dialética do ser. A natureza do objeto fálico com a qual a criança se identifica, confere um caráter imaginário a esta relação, uma vez que pressupõe a ausência da instância mediadora (Pai), contudo, apesar de não contar com a intervenção do pai, a relação se dá pela identificação fálica da criança como objeto de desejo da mãe. Esta elisão à mediação da castração e a identificação de objeto fálico coloca-a numa posição dialética em ser ou não ser o falo.

O segundo tempo do Édipo, parte justamente desta dialetização de ser ou não ser o falo introduzindo a dimensão paterna, que intervirá na relação mãe-criança-falo, sob a forma de privação .

O pai é aquele que interdita a satisfação do impulso da criança na medida em que ela percebe que é para o pai que a mãe se dirige. A entrada do pai na relação intersubjetiva mãe-criança como quem tem o direito àquilo que diz respeito à mãe é vivida pela criança como uma frustração. Por outro lado, também a mãe se vê privada do falo suposto, a criança identificada como seu objeto de desejo. Desta forma a criança é introduzida no registro da castração, pela entrada em cena da dimensão paterna e passa a se interrogar sobre ser ou não ser o falo. O que permite sua entrada na dialética do ser é o aparecimento do pai, outro, na relação mãe-criança, surgindo na vida subjetiva como um objeto fálico possível. O pai, como objeto rival, aparece como um outro intermediário, terceiro, na relação mãe-criança e apresenta-se como objeto do desejo da mãe, imaginariamente, como aquele que é o falo. Tendo deslocado o falo para o lugar da instância paterna, a criança se depara com a Lei do pai, fundada no pressuposto de que a própria mãe depende desta Lei. Portanto, para responder as demandas da criança, é preciso que através da mãe este desejo passe necessariamente pela Lei de desejo do outro (o pai).

“No plano imaginário, o pai, pura e simplesmente, intervém como privador da mãe, ou seja, o que é aqui endereçado ao outro como demanda é remetido a um tribunal superior, é substituído, como convém, pois sempre, sob certos aspectos, aquilo sobre o que interrogamos o “outro”, na medida em que ele o percorre em toda a sua extensão, encontra no outro este “outro” do outro, isto é a sua própria lei. E é a este nível que se produz alguma coisa que faz com o que o que retorne à criança, seja pura e simplesmente a lei do pai, enquanto imaginariamente concebida pelo sujeito como privando à mãe”. (Lacan, 1958).

Com esta descoberta a criança significa o desejo da mãe como submetido à lei do desejo do outro que implica que o seu próprio desejo depende de um objeto, que o outro é suposto ter ou não ter.

Conforme Lacan, tem-se aí chave da relação do Édipo e do seu caráter essencial, a relação da mãe com a palavra do pai e com aquilo que ele é suposto possuir, que a satisfaz e regula o desejo que ela tem de um objeto que não é mais a criança. Ela se remete ao desejo de um outro, reconhecendo a lei do pai como aquela que mediatiza seu próprio desejo. O pai que priva é o que apresenta a lei.

A criança, nesta perspectiva, tem acesso à simbolização da lei do pai, confrontada com a questão da castração na dialética do ter. A mediação que o pai introduz na relação com a mãe é o fato de que ela o reconhece como aquele que lhe dita a lei, o que permite à criança colocá-lo em um lugar de depositário do falo. Quando esta intrusão significativa coloca em dúvida o seu desejo é que a criança vai poder re-questionar sua identificação imaginária de objeto fálico da mãe. A incerteza psíquica, forçada pela função paterna coloca em questão o seu desejo e a permite confrontar-se com o registro da castração pela instância paterna. A criança dá-se conta de que não é o falo e que também não o tem, assim como sua mãe.

É no terceiro momento, tempo de declínio do complexo de Édipo, que a criança irá dialetizar os outros dois. Ameaçada em seus investimentos libidinais, a criança descobre que também a mãe nutre um desejo em relação ao desejo do pai. Lacan formula:

“Alguma coisa que destaca o sujeito de sua identificação o ata, ao mesmo tempo, à primeira aparição da lei sob a forma do fato de que, neste ponto, a mãe é dependente; dependente de um objeto que não é mais, simplesmente, o objeto de seu desejo, mas um objeto que o outro tem ou não tem”. (Lacan, 1958).

A rivalidade fálica que gira em torno da mãe é que intervém e coloca o pai no lugar daquele “que tem o falo, e não como aquele que o é, que pode se produzir algo que re-instaura a instância do falo como objeto desejado pela mãe, e não mais apenas como objeto do qual o pai pode privá-la” (Lacan, 1958).

Ocorre um novo deslocamento do objeto fálico onde a instância paterna deixa seu lugar no imaginário para advir ao lugar de Pai simbólico, no qual será investido como aquele que tem o falo.

A criança, na problemática fálica, deixa de lado ser o falo para aceitar a problemática de ter o falo. A dialética do ser e ter põe em jogo as identificações. O menino se inscreverá na lógica identificatória, a partir do momento em que renuncia ser o falo e engaja-se na dialética de ter, identificando-se com o pai que é suposto ter. A menina se identifica com a mãe, deparando-se com a dialética do ter a partir do não ter. Como a mãe, ela não tem, mas sabe onde encontrá-lo.

O que se torna estruturante é o fato do falo voltar a seu lugar de origem, ao pai, através da preferência da mãe, a qual irá desencadear a passagem do ser ao ter e que determinará a instalação da metáfora paterna.


A METÁFORA PATERNA

O processo de simbolização acontece sob o domínio da ausência, conforme a referência freudiana do Fort-da . Trata-se de uma metáfora duplicada em uma outra metáfora. Na primeira, presença e ausência da mãe são representadas pelo aparecimento e desaparecimento do carretel, e na segunda, a criança atribui, a ausência e presença do objeto, o significado For e Da.

Ao realizar, através do carretel, a operação simbólica da presença-ausência da mãe, opera-se, concomitantemente, uma inversão simbólica: ao se ausentar, deixando a criança sozinha, é como se a mãe a tivesse repelido; quando a criança lança o carretel, é ela quem passa a repelir, tomando desta forma o controle da situação.

“Inaugura-se pela própria linguagem a dialética da presença e da ausência. Através da palavra a coisa é presentificada em sua ausência, a própria palavra ou qualquer signo que venha substituí-la, tem que estar imediatamente presente, mas também, se ousamos dizê-lo ausente de sua presença” (Waelhens, 1982).

Com esta operação, pressupõe-se que a criança renunciou à sua identificação primordial de ser o falo para a posição de ter o falo, quando ela deixa de ser o objeto que satisfaz o desejo do outro e pode, então, mobilizar seu desejo para objetos substitutivos ao objeto perdido.

É através da metáfora paterna e de seu mecanismo fundamental, o recalque originário, que a criança efetuará uma substituição significante, colocando um novo no lugar do significante originário do desejo da mãe. À medida que o significante originário é substituído pelo novo, automaticamente, ele é recalcado, passando para o inconsciente, o que permite de fato à criança efetivar a renúncia ao objeto inaugural de desejo, tornando inconsciente o que antes o significava.
Lacan, 1968, em Uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose, propõe uma fórmula para explicar esta operação:

Onde os S são significantes, x é a significação desconhecida e s é o significado induzido pela metáfora, que consiste na substituição da cadeia significante, de S’ por S. A elisão de S’ aqui representada por seu risco é a condição do sucesso da metáfora”. (Lacan, 1955-1956)

Ao atribuir as ausências da mãe ao pai, processo onde ocorre uma associação significativa: mãe ausente = presente junto ao pai, a criança estará nomeando o pai, primeiro como um objeto fálico rival e depois como aquele que detém o falo. A partir daí, o que ocorre é uma elaboração da relação significante, onde a criança pode designar e nomear a causa das ausências da mãe, invocando a referência do Pai. Dito de outra maneira, ela estará nomeando o pai por aquilo que ela supõe ser o desejo da mãe. Ela associa o novo significante Nome-do-Pai (S2) ao significado falo (s1). A entrada do significante Nome-do-Pai substituindo o significante falo fará com que o falo torne-se inconsciente.

Onde A é Outro e indica que “a presença do significante no Outro é, com efeito, uma presença inacessível ao sujeito na maioria das vezes, já que em geral, é no estado de recalcado (Verdrängt) que ela persiste, e é daí que ela insiste em se representar no significado por meio de seu automatismo de repetição (Wiederholungszwang)” (Lacan, 1955-1956).

O algoritmo geral desta fórmula seria:

FALTA FÓRMULA METÁFORA PATERNA

No segundo termo da fórmula, o símbolo ‘I’ (inconsciente) nos lembra que S1 foi recalcado graças a substituição de S2, de agora em diante o significante associado ao significado (s1) do desejo da mãe, ou seja, o falo” (Dor, 1990).
Ao final da substituição metafórica, o pai será sempre referido ao falo como um puro significante. Produzindo o Nome-do-Pai, a criança estará nomeando, metaforicamente, o objeto fundamental do seu desejo, embora sem o saber, já que o significante originário foi recalcado.
“Assim também fica esclarecido o jogo intrínseco ao complexo de Édipo, no qual a metáfora do Nome-do-Pai vem testemunhar a atualização da castração, que intervém sob a única forma em que é inteligível: a castração simbólica. O falo aparece, com efeito, ao final do Édipo, como perda simbólica de um objeto imaginário” (Dor, 1990).

Então, pode-se dizer que o Pai na constituição do desejo inscreve o falo no campo do Outro, dando um basta ao incestuoso, ao transbordamento do gozo. Este é o ponto de basta, o falo.

No Seminário Livro III, Lacan toma a aproximação da linguagem ao inconsciente e propõe pensar a linguagem fora da cena da enunciação e a língua como um sistema de signos e articula o falo ao Outro (A), dando à idéia Nome-do-Pai, a função de ponto de basta. O Nome-do-Pai não indica apenas a morte da coisa, mas indica a morte de toda significação perdida em nome de uma morte anterior. Neste sentido, a finalidade da teoria, Nome-do-Pai, é mostrar a relação da função de ponto de estofo, e o lugar do Outro, e pensar como o sujeito pode articular estas duas funções.

Mas, este processo é passível de falha, na estrutura simbólica, e implica na foraclusão do Nome-do-Pai. Este acidente ressoa sobre a estrutura imaginária, dissolvendo-a e conduzindo-a a estrutura elementar, provocando a desestruturação imaginária.


FORACLUSÃO

Para situar a clínica da psicose, é necessário explicitar o conceito fundamental de foraclusão , cuja origem psicanalítica remete a Verwerfung freudiana, de onde Lacan imprimiu o seu sentido, tornando-a, dentro da teoria lacaniana, o conceito operatório da psicose.

Recentemente, Solal Rabinovich (2001), empreendeu uma importante pesquisa em torno deste conceito:

“Assim foracluir consiste em expulsar alguém ou alguma coisa para fora dos limites de um reino, de um indivíduo, ou de um princípio abstrato tal como a vida ou a liberdade; foracluir implica também o lugar, qualquer que ele seja, do qual se é expulso, seja fechado para todo o sempre ... Foracluir consiste pois, afinal, em expulsar alguém para fora das leis da linguagem”. (Rabinovich 2001)

É com a conotação do sem lugar, do sem destino, do errante, que o termo entrou para a psicanálise, para designar o lugar dos loucos, dos verdadeiros presos do lado de fora, para aqueles que não encontram o seu lugar no inconsciente.

A foraclusão indica o tipo de negação envolvida no recalcamento: Verwerfung, cuja conseqüência para o sujeito é o retorno no real, já que a negação se deu pela via do simbólico.

A escolha de Lacan, para traduzir a Verwerfung freudiana por foraclusão, tem a ver com a diferença que este termo poderia marcar em relação aos outros mecanismos de defesa, o recalcamento, a renegação e a denegação, distinguindo-a da expulsão. A foraclusão está diretamente ligada à estrutura do sujeito, intervindo na sua constituição primitiva, e delineando a maneira pela qual o sujeito nela se posiciona. Cada um destes mecanismos, dentro de sua especificidade, altera o saber inconsciente. Tratando-se da neurose, o que está em jogo é o recalcamento (Verdrängung), cujo retorno se constitui num sintoma; já, no caso do desmentido ou da recusa (Verleugnung), estratégia do sujeito da perversão, o retorno é o fetiche; e o mecanismo de defesa da psicose é a foraclusão (Verwerfung), tendo a alucinação como aquilo que retorna.

Para Lacan, todos os três mecanismos são operações psíquicas, ou estratégias do sujeito de negar a falta no Outro. Rabinovich (2001), considera que no caso da foraclusão, a perda do sujeito é tão fundamental, que chega a negativar todo o funcionamento da linguagem, e se constitui mais um acidente mortal, do que, propriamente, uma estratégia do sujeito, salvo se este tende, desesperadamente a preencher a perda que o constituiu.

Lacan incluiu, no inconsciente, a dimensão temporal: antecipação do imaginário, sincronia significante e caráter atual do real. Nesta medida, foi possível correlacionar às coordenadas do retorno ao lugar, tempo e modo como retornam .

O real é o lugar da lacuna, da não existência, do irrepresentável. É um lugar esvaziado de representações. É a Lücke freudiana, produzida pelo tecido psíquico, é o vácuo deixado pela abolição de um significante. Se o retorno do foracluido se dá nesse vazio, ele não tem como se escrever e não cessa de reaparecer, como voz, ou no que se vê.

Na neurose, quando o saber recusado retorna como sintoma, é porque a verdade do sujeito pode ser sabida ali, por ser reconhecida pelo Outro, pode ser articulada como saber. Na psicose, um excesso de gozo esvazia o lugar do Outro, e ao sujeito não lhe resta outra alternativa senão articular-se ao Outro do corpo, como lugar de gozo.

Quando o processo de metaforização não ocorre, a falta do Nome-do-Pai, inscrita no significante, abre no significado um furo, um cavo, que tomará o lugar da significação fálica. O que não entra no simbólico retorna no real, seria o Outro, não articulado no basteamento. A psicose é a desorganização da não dissidência do

Nome-do-Pai, é o lançamento do sujeito numa espécie de sentido, significação endereçada ao próprio sujeito, que retorna, mas não de uma forma invertida.
Com a foraclusão do Nome-do-Pai, estamos diante de uma dupla falta. Primeiro a de um significante, o Nome-do-Pai, que marca e institui, simbolicamente, este lugar; e a do próprio lugar, enquanto lugar vazio, faltante, pela ausência de significante. Este lugar vazio pode vir a ser ocupado, ou não, em um outro dos registros onde ele é levado a funcionar. Quando não há foraclusão, o que deveria ser a parte simbólica do Pai, vai deixar em seu lugar a parte real. O que acontece se o sujeito encontrar o pai real, quando o lugar está marcado pela ausência de significante? Ele produzirá na cadeia uma alteração delirante, no lugar de nenhuma resposta possível de sua parte.

É porque falta este lugar, que tudo não pode ser dito, esta é a incompletude do Outro, o sujeito, entra para a linguagem, pelo fato de que é impossível dizer tudo. O sujeito da psicose, também está na linguagem, mas não pode usá-la, como o neurótico, porque falta o lugar vazio ordenador. Porque o primeiro significante foi abolido todos os outros não representam mais nada.

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