Os que me
conhecem melhor sabem que não sou cinéfila, assisto a poucos filmes, raras
vezes vou ao cinema e prefiro assisti-los no calor do sofá ao escurinho das
salas de projeção! Assim, os meus comentários nunca são técnicos ou “cabeça”,
como diria algum amigo, sempre digo apenas o que gosto ou não gosto nos e dos filmes
que assisto. Alguns deles que, por qualquer motivo me caem às mãos, afetam-me
de tal maneira que, como psicanalista que sou, eu os deixo ali bordejando minha
alma, levando-me à deriva para fazer pensar, ou simplesmente para me deixar
sentir! E AGORA … AONDE VAMOS? é um desses. Apaixonei-me pela forma como Nadine
Labaki trata o tema central, a guerra religiosa, com muita delicadeza e bom
humor, fazendo do filme uma sensível comédia dramática.
E a
música? A música perpassa o filme como
se fora o fio condutor do drama ou da trama. Ela é marcante, vibrante e
paradoxalmente harmoniosa, de Khaled
Mouzanar, embala a vida da aldeia fazendo dançar os personagens ao seu ritmo,
dando movimento ao filme numa sucessão de sons e movimentos vibrantes que
convoca o personagem à dança e o espectador à fantasia!
Outro
recurso que a diretora usa é a dança. O movimento ritmado dos corpos marca
algumas cenas centrais do filme, estratégia que dá a leveza, balanço e
equilíbrio ao conjunto das cenas. A abertura do filme é fantástica: é a dança
das heroínas. È a representação viva do esgotamento, do cansaço, da falta de
esperança, da vulnerabilidade. É a sobrevivência marcada pelo acalanto! É isso
que é bonito, o paradoxal!
O
isolamento da aldeia do resto do mundo permite que a comunidade dividida
religiosamente entre cristãos e muçulmanos, conviva numa paz relativa. A guerra
deixou restos, estilhaços que atravessam a alma impondo aos seus habitantes um estado
permanente de luto pelos mortos. É isso que une as mulheres: o laço de
sofrimento determinado pela perda de seus homens (maridos, pais, filhos). São suas ladainhas que às mantêm em pé.
Parece
que a única paixão que movimenta esse povo é a fé e a religiosidade. Respeitam
seus líderes e zelam pela igreja e pela mesquita.
O
conflito se acirra quando as notícias do mundo começam a invadir a pequena
aldeia reatualizando o espírito da luta religiosa e as tensões sofridas pela
guerra civil no Líbano. Sabe-se que a conquista da independência do Líbano
(colônia francesa até 1943) não significou o surgimento do Estado Nacional
Libanês já que a Síria não reconheceu a emancipação do país e as divisões
religiosas internas inviabilizaram o exercício de um poder centralizado. Uma
guerra civil que em nosso tempo foi iniciada em 1975 pelos grupos populares
muçulmanos no enfrentamento aos cristãos e que durou quase dez anos. Este é o
cenário!
Nesse
contexto a pequena aldeia, entrelaçada por fitas que se ligam e aos seus
habitantes, sobrevive, não sem o medo que ressona ao estrondo cada mina que
explode. Os fragmentos da violência, muitas vezes se transformam em mais um
laço, como é o caso da pequena Brigitte que serve de banquete para a aldeia em festa. O acesso às notícias
de seu país começa a acordar o gigante adormecido em cada homem da aldeia e o
ódio e a raiva às diferenças, se sobrepõem ao amor e a razão, impedindo à
convivência pacífica. Não falamos aqui de agressividade, mas de agressão, o
limite da realidade vital, de violência. Enquanto a agressividade latente era
condição de fala das diferenças foi possível aos habitantes manter uma relação
tranquila, a partir do momento em que isso não era mais concebível coloca-se em
ato a violência. A ideia veiculada pela antecipação da morte reverbera e põe o
sujeito num movimento oscilatório do qual ele não consegue sair.
É nesse
momento que entram em cena nossas heroínas, mães, esposas, filhas, namoradas,
cansadas de tanto horror e sofrimento que, para proteger aqueles a quem amam
entram em guerra silenciosa com os homens da aldeia, numa tentativa
surpreendente de diminuir a tensão religiosa entre cristãos e muçulmanos. Aí,
vale tudo!!! Ardis e estratégias que fazem rir o espectador, da sedução, do
sexo, do haxixe. A diretora Nadine Labaki, consegue com maestria em meio ao
pano de fundo de tensão introduzir o humor e a ironia. O ponto alto do filme é
o drama da mãe que diante da morte do filho se vê dividida entre o amor e ódio.
Ela sabia que a morte seria o estopim para o início de uma guerra civil na
aldeia e numa tentativa desesperada de salvar seu outro filho e todos os filhos
do horror da guerra, mais uma vez ela se une às mulheres e aos líderes
religiosos para tentar reverter à situação. O bizarro são os ardis e até mesmo
a solução final que transforma o estrangeiro em semelhante. Aquilo
que era sinistro, árido e inquietante se transforma, literalmente em muito
familiar, retirando da sombra do desconhecido o conhecido, tornando inócuo o
assustador, apaziguando os corações.
Haveria,
sem dúvida, algumas críticas, principalmente se pensarmos na questão de gênero,
visivelmente marcada pela diretora em sua obra, mas, esta é uma análise
deixarei para os meus amigos mais afoitos. O filme é marcado pela poesia, pelo
humor e pela tragédia, enfim é uma crítica a fragilidade da paz no oriente
médio.
Heloísa
Ramirez
Maio de
2013