terça-feira, 4 de junho de 2013

Comentário sobre o filme E AGORA... AONDE VAMOS? sob a direção de Nadine Labaki



Os que me conhecem melhor sabem que não sou cinéfila, assisto a poucos filmes, raras vezes vou ao cinema e prefiro assisti-los no calor do sofá ao escurinho das salas de projeção! Assim, os meus comentários nunca são técnicos ou “cabeça”, como diria algum amigo, sempre digo apenas o que gosto ou não gosto nos e dos filmes que assisto. Alguns deles que, por qualquer motivo me caem às mãos, afetam-me de tal maneira que, como psicanalista que sou, eu os deixo ali bordejando minha alma, levando-me à deriva para fazer pensar, ou simplesmente para me deixar sentir! E AGORA … AONDE VAMOS? é um desses. Apaixonei-me pela forma como Nadine Labaki trata o tema central, a guerra religiosa, com muita delicadeza e bom humor, fazendo do filme uma sensível comédia dramática.
E a música? A música perpassa o filme  como se fora o fio condutor do drama ou da trama. Ela é marcante, vibrante e paradoxalmente harmoniosa, de  Khaled Mouzanar, embala a vida da aldeia fazendo dançar os personagens ao seu ritmo, dando movimento ao filme numa sucessão de sons e movimentos vibrantes que convoca o personagem à dança e o espectador à fantasia!
Outro recurso que a diretora usa é a dança. O movimento ritmado dos corpos marca algumas cenas centrais do filme, estratégia que dá a leveza, balanço e equilíbrio ao conjunto das cenas. A abertura do filme é fantástica: é a dança das heroínas. È a representação viva do esgotamento, do cansaço, da falta de esperança, da vulnerabilidade. É a sobrevivência marcada pelo acalanto! É isso que é bonito, o paradoxal!
O isolamento da aldeia do resto do mundo permite que a comunidade dividida religiosamente entre cristãos e muçulmanos, conviva numa paz relativa. A guerra deixou restos, estilhaços que atravessam a alma impondo aos seus habitantes um estado permanente de luto pelos mortos. É isso que une as mulheres: o laço de sofrimento determinado pela perda de seus homens (maridos, pais, filhos).  São suas ladainhas que às mantêm em pé.
Parece que a única paixão que movimenta esse povo é a fé e a religiosidade. Respeitam seus líderes e zelam pela igreja e pela mesquita. 
O conflito se acirra quando as notícias do mundo começam a invadir a pequena aldeia reatualizando o espírito da luta religiosa e as tensões sofridas pela guerra civil no Líbano. Sabe-se que a conquista da independência do Líbano (colônia francesa até 1943) não significou o surgimento do Estado Nacional Libanês já que a Síria não reconheceu a emancipação do país e as divisões religiosas internas inviabilizaram o exercício de um poder centralizado. Uma guerra civil que em nosso tempo foi iniciada em 1975 pelos grupos populares muçulmanos no enfrentamento aos cristãos e que durou quase dez anos. Este é o cenário!
Nesse contexto a pequena aldeia, entrelaçada por fitas que se ligam e aos seus habitantes, sobrevive, não sem o medo que ressona ao estrondo cada mina que explode. Os fragmentos da violência, muitas vezes se transformam em mais um laço, como é o caso da pequena Brigitte que serve de banquete para a aldeia em festa. O acesso às notícias de seu país começa a acordar o gigante adormecido em cada homem da aldeia e o ódio e a raiva às diferenças, se sobrepõem ao amor e a razão, impedindo à convivência pacífica. Não falamos aqui de agressividade, mas de agressão, o limite da realidade vital, de violência. Enquanto a agressividade latente era condição de fala das diferenças foi possível aos habitantes manter uma relação tranquila, a partir do momento em que isso não era mais concebível coloca-se em ato a violência. A ideia veiculada pela antecipação da morte reverbera e põe o sujeito num movimento oscilatório do qual ele não consegue sair.
É nesse momento que entram em cena nossas heroínas, mães, esposas, filhas, namoradas, cansadas de tanto horror e sofrimento que, para proteger aqueles a quem amam entram em guerra silenciosa com os homens da aldeia, numa tentativa surpreendente de diminuir a tensão religiosa entre cristãos e muçulmanos. Aí, vale tudo!!! Ardis e estratégias que fazem rir o espectador, da sedução, do sexo, do haxixe. A diretora Nadine Labaki, consegue com maestria em meio ao pano de fundo de tensão introduzir o humor e a ironia. O ponto alto do filme é o drama da mãe que diante da morte do filho se vê dividida entre o amor e ódio. Ela sabia que a morte seria o estopim para o início de uma guerra civil na aldeia e numa tentativa desesperada de salvar seu outro filho e todos os filhos do horror da guerra, mais uma vez ela se une às mulheres e aos líderes religiosos para tentar reverter à situação. O bizarro são os ardis e até mesmo a solução final que transforma o estrangeiro em semelhante. Aquilo que era sinistro, árido e inquietante se transforma, literalmente em muito familiar, retirando da sombra do desconhecido o conhecido, tornando inócuo o assustador, apaziguando os corações.
Haveria, sem dúvida, algumas críticas, principalmente se pensarmos na questão de gênero, visivelmente marcada pela diretora em sua obra, mas, esta é uma análise deixarei para os meus amigos mais afoitos. O filme é marcado pela poesia, pelo humor e pela tragédia, enfim é uma crítica a fragilidade da paz no oriente médio.

Heloísa Ramirez
Maio de 2013





segunda-feira, 10 de setembro de 2012

1964 - Uma reflexão nostálgica



1964, Uma reflexão nostálgica

Heloísa Ramirez

Com o advento das redes sociais na Internet, reavivei lembranças do tempo em que participei de alguns movimentos estudantis das décadas de 60 e 70. Bons tempos aqueles em que a força dos estudantes universitários era foco de mobilização social e participação ativa na vida política da cidade, com suas reivindicações legítimas e protestos bem dirigidos. Não vou retomar aqui a história, mas vale lembrar que com o golpe de 64 as autoridades militares reprimiram as lideranças estudantis e desarticularam as principais organizações representativas da classe estudantil.
Lembro-me de que foi em 1968 que iniciei minhas primeiras participações, ingênuas diga-se de passagem, de movimentos de rua contra a ditadura militar, e só comecei a entender o significado de tudo aquilo, o fundamento e o mecanismo do que estava acontecendo em termos políticos, anos depois. Assim, num primeiro momento, fiz parte da grande massa mobilizada por esses grupos de lideranças estudantis, uma espécie de “Maria vai com as outras”, antes de ir ganhando alguma consciência política e participação efetiva.
Recentemente este espírito ressurgiu nostalgicamente ao me deparar com os movimentos criados e divulgados nas redes sociais como o ACAMPA SAMPA/OCUPA SÃO PAULO, criado para discutir a redemocratização nacional; NÃO A BELO MONTE, que questiona a construção da usina, a destruição das florestas e o deslocamento das populações indígenas; NÃO ao ATO MÉDICO, etc. Mencionei alguns, mas existem outros pontos de reflexão que nos remetem diretamente à miséria humana e quase todos consequência da impossibilidade financeira que distam sujeitos até dos modos de gozo do mundo moderno, que se servem da dominância do capitalismo.
Foi com espanto que me dei conta do tempo que estive distante disto tudo, principalmente se pensar o quanto estes movimentos alimentaram minha juventude e contribuíram para eu me sentir ativa no processo da construção democratização social. Estive socialmente alienada e distante de tudo que não fosse à clínica, ocupando-me única e exclusivamente da psicanálise e sua política, dedicando-me a escutar o sofrimento e o particular de cada um em seu modo de gozo.
Isto não é uma crítica, foi um tempo meu. Estive onde o meu desejo esteve!
Mesmo porque, como psicanalista, como um sintoma da cultura, como conseqüência do inconsciente, como falasser, eu não poderia estar tão distante da cultura e da civilização e de suas conseqüências de gozo, afinal sou ser de linguagem!
Ora então, porque não conciliar? Porque não refletir também sobre os paradoxos da globalização e suas conseqüências?
Foi em Salvador, no Encontro nacional da Escola dos Fóruns do Campo Lacaniano, em 2011, ao lado do movimento “Ocupa Salvador” que me bateu uma vontade imensa de retomar algumas participações nos movimentos sociais. Estava chovendo e eu fiquei no conforto do quarto do hotel enquanto os colegas se concentraram na praia para fazer acontecer. Eu e Tatiana Assadi, que assistiu ao movimento na praia, conversamos muito sobre isto depois.
Será que para participar ativamente, para escutar o que se reivindica e refletir sobre, seria necessário ir às ruas?
Acho que não! Mas é necessário ir às “vias” de fato, qualquer que seja o canal.

Circuito Vivo com a psicanalista Luanda Francine



O CIRCUITO VIVO (um plágio consciente do programa Roda Viva da TV Cultura) surge como uma atividade permanente do Circuito Ponto de Estofo, um caminho possível para dar voz aos que quiserem expor suas opiniões e apresentar suas ideias sobre temas de relevância social, político e cultural. Mas, veja bem, não se aceita politicagem, nosso objetivo é o debate vivo e reflexivo sobre questões e situações pertinentes à realidade brasileira, ou melhor, ao mal estar na civilização. A decisão de abrir este espaço no Circuito para mais este dispositivo deve-se a compreensão de seus participantes sobre a importância de ampliar os temas da psicanálise em extensão. Como se caracterizam as escolhas do sujeito neste tempo em que os valores estão tão tênues e parecem substituídos pela ética do lucro? Numa civilização regida pela ciência e pelo capitalismo em que o gozo se encontra no consumo de bens ao que responde o psicanalista quando convocado pela cultura, já que ele se encontra comprometido com o inconsciente e por princípio na contramão do mercado? Como responder à miséria, ao sem teto, aos excluídos do gozo do consumo?
Venha debater conosco!